Friday, October 03, 2008

"Portugal mente compulsivamente: Sobre si próprio e perante o mundo"!



Leiam este texto escrito por um professor de filosofia que escreve semanalmente para o jornal O Torrejano.

Tudo o que ele diz, é tristemente verdadeiro...


O atestado médico
por José Ricardo Costa

"Imagine o meu caro que é professor, que é dia de exame do 12º ano e vai ter de fazer uma vigilância.

Continue a imaginar. O despertador avariou durante a noite. Ou fica preso no elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou o quente, pastoso, húmido e fétido pequeno-almoço em cima da sua imaculada camisa.

Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta.

Ora esta coisa de um professor ficar com faltas injustificadas é complicada, por isso convém justificá-la.

A questão agora é: como justificá-la?

Passemos então à parte divertida. A única justificação para o facto de ficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir para uma sala do exame com a camisa vomitada, ababalhada e malcheirosa, é um atestado médico.

Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa aqui do atestado médico será o despertador ou o elevador. Mas não. Só uma doença poderá justificar sua ausência na sala do exame. Vai ao médico. E, a partir deste momento, a situação deixa de ser divertida para passar a ser hilariante.

Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. Enfim, com o sorriso de Jorge Gabriel misturado com o ar rosado do Gabriel Alves e a felicidade do padre Melícias. A partir deste momento mágico, gera-se um fenómeno que só pode ser explicado através de noções básicas da psicopatologia da vida quotidiana. Os mesmos que explicam uma hipnose colectiva em Felgueiras, o holocausto nazi ou o sucesso da TVI.

O professor sabe que não está doente. O médico sabe que ele não está doente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O director regional sabe que ele não está doente. O Ministério da Educação sabe que ele não está doente.

O próprio legislador, que manda a um p rofessor que fica preso no elevador apresentar um atestado médico, também sabe que o professor não está doente.

Ora, num país em que isto acontece, para além do despertador que não toca, do elevador parado e da camisa vomitada, é o próprio país que está doente.

Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um país doente.

Vamos lá ver, a mentira em si não é patológica. Até pode ser racional, útil e eficaz em certas ocasiões. O que já será patológico é o desejo que temos de sermos enganados ou a capacidade para fingirmos que a mentira é verdade.

Lá nesse aspecto somos um bom exemplo do que dizia Goebbels: uma mentira várias vezes repetida transforma-se numa verdade. Já Aristóteles percebia uma coisa muito engraçada: quando vamos ao teatro, vamos com o desejo e uma predisposição para sermos enganados.

Mas isso é normal. Sabemos bem, depois de termos chorado baba e ranho a ver o 'ET', que este é um boneco e que temos de poupar a baba e o ranho para outras ocasiões. O problema é que em Portugal a ficção se confunde com a realidade. Portugal é ele próprio uma produção fictícia, provavelmente mesmo desde D.Afonso Henriques, que Deus me perdoe.

A começar pela política. Os nossos políticos são descaradamente mentirosos. Só que ninguém leva a mal porque já estamos habituados.

Aliás, em Portugal é-se penalizado por falar verdade, mesmo que seja por boas razões, o que significa que em Portugal não há boas razões para falar verdade. Se eu, num ambiente formal, disser a uma pessoa que tem uma nódoa na camisa, ela irá levar a mal.

Fica ofendida se eu digo isso é para a ajudar, para que possa disfarçar a nódoa e não fazer má figura. Mas ela fica zangada comigo só porque eu vi a nódoa, sabe que eu sei que tem a nódoa e porque assumi perante ela que sei que tem a nódoa e que sei que ela sabe que eu sei.

Nós, portugueses, adoramos viver enganados, iludidos e achamos normal que assim seja. Por exemplo, lemos revistas sociais e ficamos derretidos (não falo do cérebro, mas de um plano emocional) ao vermos casais felicíssimos e com vidas de sonho.

Pronto, sabemos que aquilo é tudo mentira, que muitos deles divorciam-se ao fim de três meses e que outros vivem um alcoolismo disfarçado. Mas adoramos fingir que aquilo é tudo verdade.

Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses. Somos ignorantes e culturalmente miseráveis, mas somos doutores e engenheiros. Fazemos malabarismos e contorcionismos financeiros, mas vamos passar férias a Fortaleza. Fazemos estádios caríssimos para dois ou três jogos em 15 dias, temos auto-estradas modernas e europeias, mas para ver passar, a seu lado, entulho, lixo, mato por limpar, eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casas horríveis e fábricas desactivadas.

Portugal mente compulsivamente. Mente perante si próprio e mente perante o mundo.

Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame por ficar preso no elevador que precisa de um atestado médico. É Portugal que precisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio."


Faz pensar não faz??? Para mim, é uma excelente forma de constatar o "estado de sítio" em que o nosso país se encontra....

Deixem as vossas opiniões, o que vos apraz dizer perante este cenário?

Saudações diabólicas.

10 comments:

Miguel said...

mas que grande texto esse..

e realmente tem razão..

o nosso país está doente e não há maneira de melhorar :(

bom fim de semana :)

Tipp said...

Texto bonito.

E tem razão, são muitos os exemplos em que só se lixa quem diz a verdade.
A tal ponto de as pessoas nem terem coragem de a dizer.

Mas o grave mesmo é o entorpecimento que isto provoca e o nem querer saber se é verdade ou mentira.

Nitidamente o triunfo dos mentirosos

Bjs

O Pinoka said...

Eu não só constato o “estado de sítio” em que se encontra o nosso país como não encontro o sítio em que está o nosso estado.
Somos um país de actores e trambiqueiros.

Beijocas

Diabólica said...

MIGUEL,

Bem lá grande é ele, mas que tem fundamento lá isso tem...

"o nosso país está doente e não há maneira de melhorar :"(- É triste mas é verdade.

Beijinhos.

Diabólica said...

TIPP,

Sem dúvida, por isso é que as más condutas prevalecem.

É nitidamente preferível dizer uma ou mais mentiras, do que dizer a verdade.

Bastante triste o ponto a que chegámos.

Beijinhos.

Diabólica said...

PINOKA,

"Eu não só constato o “estado de sítio” em que se encontra o nosso país como não encontro o sítio em que está o nosso estado."- Visão absolutamente brilhante, analogia perfeita.

Pena que só poucos vejam isso.

Beijinhos.

Casemiro dos Plásticos said...

grande texto, ri-me em alguma spartes.
de facto isto anda muito doente...vai um aspegic?

Diabólica said...

CASEMIRO DOS PLÁSTICOS,

Cá por mim já não é só um aspegic, tem que se tomar também xanax!!!! LOL

Beijinhos diabólicos.

Zé do Cão said...

Força Diabólica. É pena que isto não avance lá para fora e fique só condicionado ao Blogue.

Não te deixo uma Beijoca. deixo-te uma data delas

Até o meu canito abanou o rabo...

Diabólica said...

Pois é, mas da minha parte já imprimi e entreguei a alguns amigos, cabe-nos a todos passar a informação.

Beijokas para ti e festinhas ao canito! LOl